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A TEORIA DE ENFERMAGEM DO DÉFICIT DE AUTOCUIDADO


     Segundo Orem (2006), a teoria de enfermagem do déficit do autocuidado está constituída por três teorias que também foram criadas por essa autora, que são as seguintes:

     1 - Teoria de autocuidado: Refere-se à realização do autocuidado em si, assim como explica e justifica por que o autocuidado é necessário à saúde.

     2 - Teoria do déficit do autocuidado: Consiste em explicar quando e por que a enfermagem torna-se necessária e imprescindível à pessoa em relação ao processo cuidativo. É mais abrangente do que a teoria anterior.

     3 - Teoria do sistema de enfermagem: Relaciona-se ao fato da pessoa estar em situação de déficit de autocuidado e para compensá-lo, necessita do cuidado de enfermagem. Logo essa teoria se limita em explicar a maneira pela qual as pessoas são ajudadas pela enfermagem. O sistema de enfermagem é classificado em:

--> Totalmente compensatório, quando a pessoa é incapaz de engajar-se nas ações de autocuidado.
--> Parcialmente compensatório refere-se ao fato, tanto o enfermeiro quanto o paciente desempenham as ações de autocuidado.
--> Apoio e educação estão relacionados com o fato da pessoa que se encontra sob orientação e assistência, é capaz de aprender e desempenhar as ações de autocuidado terapêutico.

     Estas três teorias se integram em forma inclusiva, segundo se observa na FIGURA 1.



     Cada uma destas teorias tem os seus conceitos próprios, porém o agrupamento desses conceitos constituiu uma outra perspectiva que deu origem a teoria de enfermagem do déficit do autocuidado. Mediante isso, essa teoria é mais abrangente porque envolve os propósitos das três teorias mencionadas anteriormente.

     A seguir serão citados e descritos todos os conceitos que envolvem a Teoria de enfermagem do déficit do autocuidado, lembrando que eles abrangem os conceitos de cada uma das teorias que a constituem. Orem (2006) esclarece que essa teoria está composta por cinco conceitos centrais e inter-relacionados: 1) capacidades de autocuidado; 2) ações de autocuidado; 3) demandas de autocuidado terapêutico; 4) déficit de autocuidado e 5) capacitação em enfermagem. A mencionada autora assinala também um conceito secundário denominado requisitos de autocuidado universais, de desenvolvimento e de desvio da saúde e um periférico que são os fatores condicionantes básicos. Os quatro primeiros conceitos estão relacionados ou orientados às pessoas que necessitam de enfermagem, e o quinto, agência (capacidade) de enfermagem, está direcionado ao enfermeiro. Nos seguintes parágrafos se explica cada um desses conceitos.

1 - Capacidades de autocuidado: O termo capacidades, significa no contexto da teoria aquilo que é capaz da pessoa realizar por si e para si própria. Do ponto de vista do conceito refere-se ao conhecimento, habilidade e experiência que as pessoas precisam obter para a realização do autocuidado. A estrutura desse conceito está formada por três elementos básicos:

1. Disposições e capacidades fundamentais:
2. Componentes de poder:
3. Operações de autocuidado:

     Esses elementos quando dispostos estruturalmente e se fosse possível ordená-los quanto a sua formação e desenvolvimento em um triângulo, poderia ser dito que as disposições das capacidades fundamentais consistem nas necessidades básicas e fundamentais para aprendizagem e realização de alguma atividade na vida. A acuidade visual e auditiva adequadas são alguns exemplos desse elemento. Os componentes do poder se referem ao aprendizado específico ou próprio para a realização do autocuidado, como por exemplo, a aprendizagem da importância da alimentação e ingestão hídrica para a manutenção da vida, saúde e bem-estar. Finalmente, as operações de autocuidado constituem o limite entre as capacidades e as ações de autocuidado. Esse elemento significa que a pessoa já se encontra preparada para a prática do autocuidado.

     Na figura abaixo, representa-se graficamente a estrutura do conceito de capacidades de autocuidado.


Figura 2 - Elementos estruturais do conceito de capacidades de autocuidado / Fonte: Orem (2006)


     Isenberg (1993) menciona que as capacidades de autocuidado podem ser investigadas em relação ao seu desenvolvimento, operabilidade e adequação. O desenvolvimento é definido em relação aos tipos de ações de autocuidado que os indivíduos podem realizar. A operabilidade é descrita em relação aos tipos de ações de autocuidado que os indivíduos realizam de forma consciente e efetiva. A adequação é determinada, quando se compara o tipo de ações de autocuidado, que as pessoas podem realizar, e o tipo de autocuidado requerido, para satisfazer a demanda existente ou projetada de autocuidado terapêutico.

     Orem (2006) afirma que o desenvolvimento e a operabilidade das capacidades de autocuidado podem ser afetadas, entre outros fatores pela cultura, experiência de vida, estado de saúde, padrões de vida, doenças, sistema familiar, idade, sexo e escolaridade. Uma pessoa com o potencial de satisfazer às necessidades de saúde é conhecida como agente de autocuidado. Cada agente de autocuidado tem requerimentos para satisfazer as necessidades de saúde de natureza universal, etapa de desenvolvimento e de desvio de saúde.

     Orem (2006) denominou "self-care agency" a capacidade do indivíduo para se engajar em ações de autocuidado. É o poder de tornar-se agente do seu autocuidado e desenvolver-se no processo de viver, o dia-a-dia, por meio de um processo espontâneo de aprendizagem. As capacidades de autocuidado incluem os seguintes componentes ou habilidades para a ação deliberada: incorporar ou excluir coisas específicas, a partir da compreensão de seus significados, compreender a necessidade de mudar ou regular as coisas observadas; adquirir conhecimentos sobre o curso de ação a ser seguido para a regulação; decidir o que fazer, agir para alcançar a mudança ou atingir a regulação.

2 - Ações de autocuidado: são as práticas ou as atividades que as pessoas iniciam e realizam em benefício próprio com a finalidade de manter a vida, saúde e qualidade de vida. As práticas de autocuidado são condutas aprendidas e demonstradas, sendo determinadas por diversos fatores, incluindo a cultura do grupo ao qual ela pertence. É a ação que contribui à integridade da estrutura funcionamento e desenvolvimento das pessoas. A prática de autocuidado envolve a deliberação plena frente aquilo que está sendo realizado. É a realização consciente de algo que pressupõe a decisão da pessoa em querer realizá-lo.

3 - Demanda de autocuidado terapêutico: É a soma de medidas necessárias de autocuidado em momentos específicos, ou durante um determinado período de tempo, para cobrir ou atender todos os requisitos de autocuidado necessários à pessoa. Refere-se ao conjunto de atividades requeridas para o atendimento aos requisitos de autocuidado universais, de desenvolvimento e desvio da saúde.

4 - O termo déficit de autocuidado consiste no resultado deficitário após a relação entre as capacidades de autocuidado e a demanda de autocuidado terapêutico. Nesta relação às capacidades de autocuidado são inferiores as demandas, demonstrando com isso a necessidade da pessoa em obter conhecimento, habilidades e experiências para nivelar ou superar as demandas próprias daquele momento ou período de vida. Como exemplo pode-se considerar o fato de uma pessoa ter a necessidade de ingesta hídrica, porém não possui esse conhecimento e consequentemente não é realizado.

5 - O último conceito central, denominado agência (capacidade) de enfermagem (formação em enfermagem) relaciona-se àquelas habilidades especializadas, que permitem aos profissionais de enfermagem proporcionar atenção que compensa ou ajuda a superar as deficiências de autocuidado relacionadas com a saúde. É a capacidade complexa requerida pelas ações de enfermagem, que por sua vez, necessitam de conhecimentos ou capacitação própria que são adquiridos ao longo da formação profissional. O enfermeiro é o agente oficialmente reconhecido para ajudar as pessoas a adquirir competências para o conhecimento e a prática do autocuidado.

     Orem (2006) elenca também, entre os conceitos da Teoria de Enfermagem do Déficit do Autocuidado, um construto específico denominado requisitos de autocuidado o qual ela denominou de conceito secundário. Na perspectiva da Teoria, o termo requisitos de autocuidado significa as ações que são dirigidas à provisão de autocuidado. Os requisitos são divididos em três categorias distintas que são:

     A - Requisitos Universais: estão associados com os processos da vida e com manutenção da integridade da estrutura e do funcionamento humano. São comuns a todos os seres humanos durante todos os estágios do ciclo de vida e devem ser vistos como fatores inter-relacionados, cada um influindo o outro. Orem identifica os seguintes requisitos de autocuidado universais:

- Manutenção de uma inspiração adequada para estabelecer o processo respiratório.
- Manutenção de ingesta suficiente de água.
- Manutenção de ingesta suficiente de alimentos.

     Vale ressaltar que o aspecto qualitativo supera o quantitativo e associado a isso, Orem (2002) esclarece que o valor nutritivo dos alimentos, que mantém o metabolismo adequado, não está associado ao número de refeições diárias, porém à concentração nutritiva que proporciona ao organismo os elementos necessários para a manutenção da vida, saúde e qualidade de vida.

- Provisão de cuidados associados com os processos de eliminação.
- A manutenção do equilíbrio entre atividade e o repouso.
- A manutenção do equilíbrio entre o estar só e a interação social.
- A prevenção dos perigos à vida, ao funcionamento e bem estar do homem.
- A promoção do funcionamento e do desenvolvimento do ser humano dentro dos grupos sociais, de acordo com o potencial, as limitações conhecidas e o desejo de ser normal. A normalidade é usada de acordo com a genética, as características constitucionais, os talentos e as potencialidades humanas.

     Estes requisitos podem ser compreendidos como as atividades básicas da vida diária, ou seja, são aquelas atividades indispensáveis à manutenção da vida, saúde e bem estar. A pessoa que consegue atendê-las revela controle próprio ou pessoal da sua vida, dando-lhe o direito a sua autonomia.

B - Requisitos de autocuidado de desenvolvimento: Referem-se aos eventos ou situações novas que ocorrem na vida humana, porém com propósito de desenvolvimento e, para o seu cumprimento, necessitam-se dos requisitos de autocuidado universais. Pode ser citada como exemplo desses requisitos a gestação, a qual caracteriza o desenvolvimento biológico, psicológico e social da mulher e que demanda conhecimentos e práticas específicos de autocuidado.

C - Requisitos de autocuidado no desvio da saúde: Referem-se aos cuidados ou tomadas de decisão em relação ao problema de saúde identificado ou diagnosticado com o propósito de recuperação, reabilitação e controle.

     Segundo Orem (2006), estes requisitos existem para as pessoas que estão enfermas ou lesionadas, que têm formas específicas de patologia, incluindo defeitos e incapacidades e que estão sob diagnóstico e tratamento médico. São seis as Categorias de requisitos de autocuidado de desvio da saúde:

- Buscar e assegurar a ajuda médica adequada para as diversas situações que comprometem a saúde do ponto de vista físico, biológico, ambientais, patológicos e psicológicos.
- Estar despertado e levar em conta os efeitos e resultados dos estados e condições patológicos.
- Realizar efetivamente, as medidas diagnósticas, terapêuticas e de reabilitação prescritas, direcionadas à prevenção, recuperação e controle e funcionamento integral do homem, assim como a restauração de deformidades ou anomalias e a compensação das incapacidades funcionais.
- Ter conhecimento, observar e regular os efeitos colaterais e desconfortáveis provenientes das medidas de tratamento médico, incluindo os efeitos sobre o desenvolvimento.
- Aceitar-se e adaptar-se positivamente as suas adversidades de saúde e consequentemente aderir às formas específicas de atendimento.
- Aprender a viver e conviver (superar) com as suas adversidades de saúde, promovendo o desenvolvimento pessoal de forma sistemática e contínua.

     O conceito periférico, fator condicionante básico, refere-se aos aspectos internos (intrínsecos) e externos (extrínsecos) que interferem nas capacidades e ações de autocuidado, assim como na intensidade de autocuidado que deve ser realizado em uma determinada situação do ponto de vista de requisitos universais, desenvolvimento e desvio de saúde.

     Orem (2006) estabeleceu 10 fatores condicionantes básicos e destes, considerou intrínsecos os seguintes: idade, sexo, estado de desenvolvimento e estado de saúde. Nomeou como extrínsecos: a orientação sócio-cultural, os fatores do sistema de saúde, os fatores do sistema familiar, o padrão de vida, os fatores ambientais e a disponibilidade e adequação de recursos.


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